Tenho de escrever, e tem de ser já, porque a memória já não é o que era e estou ansiosa por descrever aquela manápula agarrada ao meu copo. Mas, vamos por partes, que a noite foi um crescendo de surpresas e insólitos e, já que tenho de escolher uma ordem para os relatar, que seja a cronológica, para retirar a subjectividade à coisa.
O plano consistia em jantar no novo restaurante do Adolfo Luxúria Canibal, em Braga, que iria iniciar-nos na arte da degustação de sushi. O restaurante esconde-se por detrás da velha Sé de Braga, mais precisamente na rua do Forno, nº 17, numa viela empedrada onde o granito certamente nunca almejou dar forma a um espaço para ingestão de peixe crú. Depois de termos sido devidamente alertados para o sabor intenso das ovas de salmão, peixe-voador e um primo afastado, que o afável proprietário denominou de "navios de guerra", deu-se início ao festim de cores, têxturas e sabores.
No final da refeição, enquanto o saquê arrefecia nos pequenos copos, o Adolfo discorria acerca do Metro do Porto. "Aquilo não é um metro, é um eléctrico rápido", dizia. Eu acho que ele gosta de dar nomes às coisas.
Pedimos conselho aos nativos sobre um bar, situado perto do restaurante e, preferencialmente, onde pudéssemos fumar. O espaço que nos indicaram era muito agradável e explorado por seres tementes à ASAE, a avaliar pela quantidade de luvas de borracha, - das que se compram nas farmácias - que o cozinheiro utilizava para fazer uma tosta-mista.
Não me recordo qual o assunto preciso que discutíamos naquele momento, mas a conversa decorria animada quando, do nada, surge uma grande manápula branca que abre caminho por entre garrafas vazias e levanta o meu copo. A Super Bock Stout deslizou por entre os lábios de um homem alto, de fato, bem-parecido, de olhos e cabelos negros sobre o comprido, que reconheci do restaurante do Adolfo. "Espero que lhe tenha sabido tão bem quanto me estava a saber a mim!". Ele estava completamente, e passo a citar, "descomandado" - penso que consegui adivinhar-lhe o significado - e explicou-nos que o propósito dele às 19h daquele mesmo dia nunca tinha sido ter um jantar frio, de peixe crú. "Eu saí de casa e pensei: Hoje, nada de álcool. Sim, porque eu sou muito amigo do álcool. Vou comer um bife guloso. Mas, o Canibal viu-me passar e disse: Anda cá! - e pronto, ainda aqui estou." Esta personagem, de 38 anos, era professor. Os alunos, que já não via há 4 anos, ainda lhe escreviam cartas, o que ele poderia provar. Era extremamente culto e exprimia-se num português correcto, recorrendo a uma riqueza de vocabulário difíceis de encontrar hoje em dia, pelo menos nas gerações mais novas de professores com quem já tive contacto. O
Mirandela, ou Jorge por baptismo, deu-se a conhecer ao longo de uma hora, encostado à nossa mesa, de pé, e estou certa de que a
impressão que deixou em mim, deixou-a também em quem mais o ouviu. Em noite de estreia num restaurante japonês, pela madrugada dentro a falar sobre alheiras.