Sunday, September 9, 2007

Era uma vez

Os sinos da igreja ecoavam pelas ruas empedradas da pequena povoação. Os sons apressados das solas dos sapatos de domingo no granito confluíam na praceta central ao som da sétima e última badalada.
Sentada nos degraus frios da velha igreja, est
á uma criança que atrai a atenção dos crentes. Não é a cor do seu cabelo loiro-acinzentado cortado ao nível dos ombros, nem o casaco de fazenda vermelho, ou a saia de xadrez e meia-calça grossa que os detém. Tampouco o são os grandes olhos negros febris que mantinha fixos num rapazito que um dos curiosos trazia pela mão.
O motivo pelo qual a igreja estava ainda vazia era t
ão simplesmente o facto de a criança ser desconhecida.
Aparentemente, n
ão era francesa; a menos que não respondesse às questões que choviam sobre a sua cabeça por timidez. Até ao momento em que o pequeno rapaz, objecto da sua atenção inicial, lhe dirige um inocente Comment tu tappelles?. Ela respondeu-lhe com um largo sorriso e pronuncia as seguintes palavras: Ich me llamo Ema.
Uma onda de perplexidade e incompreens
ão percorre a audiência. Não levaram muito tempo a perceber que a menina entendia as questões colocadas, respondendo-lhes inevitavelmente numa miscelânea de línguas variadas, entre as quais reconheceram o alemão e o inglês.
A pequena Ema encontrou-se uma vez mais rodeada de todos os aparelhos pass
íveis de analisar o porquê de não conseguir estabelecer no seu discurso uma coerência que lhe permitisse comunicar com os seus semelhantes.
Deitada, im
óvel, durante o familiar exame cerebral, ia traçando o plano da próxima abordagem, na esperança de que as máquinas não revelassem os seus pensamentos: Quando sair daqui, vou escolher um sítio calmo para viver. Onde eu possa ter um cão e um monte com relva e flores e silêncio, para me sentar e deixar voar as minhas palavras sem ferir.
Desta vez, n
ão posso esquecer-me de não falar na presença de outras pessoas. Serei muda; inventarei gestos. E, embora não me compreendam no começo, estou certa de que farão um esforço.

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