Tuesday, March 25, 2008

d' O Excesso

«(...) É por isso que renegamos o conhecimento desintegrador, porque o conhecimento, Fedro, não tem qualquer dignidade ou severidade; é sabedor, compreensivo, indulgente, não tem posição nem forma; tem simpatia pelo abismo, ele é o abismo. Por isso o rejeitamos energicamente, e desde então a nossa ambição é só a beleza, o que quer dizer a simplicidade, a grandeza, uma nova severidade, um incondicionalismo renovado, a forma. Mas a forma e o incondicionalismo, Fedro, levam à embriaguez e ao desejo, podem levar a criatura mais nobre a terríveis sacrilégios do sentimento, que a sua própria severidade pelo belo repudia por infames, levam ao abismo, também elas levam ao abismo. A nós, poetas, digo-to eu, é aí que elas nos levam, pois não somos capazes de elevação, mas de excesso. E agora, Fedro, vou-te deixar aqui, fica tu aqui e parte só quando já me não vires. »

Morte em Veneza, Thomas Mann

Morte a Venezia (1971), Luchino Visconti

Esses abismos também eu os procuro. Fecho o olhos e deixo-me cair, sinto o ar gelado a pressionar-me a pele, fixar-me os movimentos dos membros, a sensação de vertigem a percorrer-me as pernas, instalar-se no baixo ventre. Apaixono-me pelo que vejo, a harmonia das formas, dos grandes olhos, do desenho dos lábios, a virilidade dos traços. E o andar; gosto de um andar pesado, que imprime em cada passada a certeza de querer ir naquele sentido. Um andar vagaroso e pesado. O corpo, ai!, o corpo; contemplação; depois, o toque, o cheiro, o gosto.

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