Monday, March 17, 2008

d' A Virtude e d' O Pecado

« Não acredites que a Providência recompensa sempre a virtude, não permitas que um breve momento de prosperidade te mergulhe em tais erros. É indiferente às leis da Providência que este seja pecador enquanto aquele é virtuoso; é-lhe necessária uma soma igual de pecado e de virtude, e o indivíduo que pratica uma coisa ou outra é-lhe absolutamente indiferente.
(...)
Num mundo inteiramente virtuoso, aconselhar-te-ia sempre a virtude, pois como para ela haveria recompensas implícitas, nela estaria infalivelmente a felicidade; num mundo totalmente corrupto, jamais te aconselharia outra coisa que não fosse o vício. (...) Dir-me-ás que é o vício que contraria o interesse dos homens e eu concordaria contigo num mundo composto, em partes iguais, de pecadores e virtuosos, porque então o interesse de uns chocaria logicamente com o dos outros, mas isso não acontece numa sociedade onde a corrupção impera. Nesta, os meus pecados só lesam os pecadores e determinam neles outros pecados, que os desforram, e ficamos todos felizes. A vibração torna-se geral, dá-se uma multitude de choques e de prejuízos mútuos, em que cada um recupera sem demora o que acabou de perder e se encontra, constantemente, numa situação benéfica. »


Os infortúnios da virtude
, de Marquês de Sade


The Judgment of Paris (1530), Lucas Cranach


A obra que termino de ler foi escrita no breve espaço de 16 dias, em meados de 1787.
Tomando partido do trabalho realizado por Jean-Marie Goulemot, o objectivo final da escrita prendia-se não tanto com a ocupação do tempo livre que tinha entre mãos, mas mais com o tecer de uma defesa em nome próprio, encontrando-se o autor preso na Bastilha por deboche.
Ao longo das 160 páginas, pela boca das diversas personagens que o Marquês coloca sucessivamente na vida da nossa heroína, vai desfiando um rol de argumentos, semelhantes aos que transcrevi acima, tendo sempre em vista convencê-la (e, em última análise, convencer o leitor) de que a prática da virtude efectivamente não compensa. Cada vez que se antevê uma boa acção, já uma praga está a cair sobre a cabeça da pobre Justine (ou Sophie, o nome falso que adoptou ao longo de toda a narrativa, por motivos de protecção), enquanto que o elemento prevaricador é recompensado na exacta medida dos seus pecados.

É dada a provar a Justine, ainda em vida, uma pequena amostra dos prazeres e recompensas terrenas, para logo ser fulminada por um raio. A sua história de vida aproveitou, contudo, à sua irmã, que até àquele dia tinha seguido um modo de vida em tudo oposto ao da virtuosa. Após a conclusão da história, Marquês de Sade formula os votos de que também ao leitor aproveite, pois "a verdadeira felicidade só se encontra no seio da virtude e que se Deus permite que seja perseguida na Terra é para lhe reservar no Céu a mais lisonjeira recompensa".

Na minha humilde opinião, penso que o nosso querido Marquês de Sade não acreditava em palavrinha alguma desta conclusão.

1 comment:

Anonymous said...

Na minha humilde opinião, penso que não interessa o que o Marques de Sade acreditava ou não, mas sim, se aquilo que este afirmava na sua obra, era tomado como verdadeiro por aqueles que detinham o poder sobre a sua liberdade... é caso para dizer que, a verdade libertar-te-á...nunca tais palavras soaram tão verdadeiras.